O Estado Civil surge, exatamente, para superar o estado de natureza. O direito de punir tem sua origem no estado de natureza. O filósofo Thomas Hobbes neste sentido, esclarece que
[…] uma punição é um dano infligido pela autoridade pública, a quem fez ou omitiu o que pela mesma autoridade é considerado transgressão da lei, a fim de que assim a vontade dos homens fique mais disposta à obediência” (HOBBES, 2008, p. 262-263).
A positividade das leis
Hobbes (2008), para tanto, institui a positividade das leis, para definir e permitir o exercício do direito de punir no interior do Estado Civil de forma lícita e legítima. Sua teoria política não queria tiranizar o indivíduo, muito pelo contrário, queria emancipálo das garras da ignorância, da superstição e da dominação. Do qual, tal dominação não era apenas a política, mas a dominação política advinda do controle religioso, a dominação das consciências.
O direito de punir
Logo, a punição tem função política no Estado. A função de manter a obediência política e “forçar à obediência” aqueles que, por ventura, resolvam “desistir” do pacto firmado, sendo esta outra finalidade do direito de punir. Além de ser instituto integrante da soberania do Estado. O fundamento categórico do direito de punir é o ato que institui o Estado, a saber, o pacto”, concluindo que todo castigo neste Estado, deve “ter como meta o bem público (salus populi)” (LEIVAS, 2005, p. 303).
O direito de punir, portanto, está entre os direitos inalienáveis do soberano que vieram com ele (ou com eles no caso de uma assembleia) do estado de natureza. Contudo, a legitimidade do exercício deste direito de punir no Estado Civil decorre da lei e dos limites estabelecidos para a atuação do soberano. O soberano deve direcionar suas ações para o interesse coletivo, tendo a paz e a segurança como objetivos primordiais de sua ação política. Para tanto, o direito de punir não é um direito inacabável, como era no estado de natureza, pois, no Estado Civil, ele passará pelo processo de “refinamento”, pode-se assim dizer.
O direito de punir e a punição, em Hobbes (2008), nada têm de draconianos ou despóticos. A punição, dentro dos limites estabelecidos pela lei, é elemento essencial para a convivência social por ser elemento de estabilidade política e controle social. Hobbes assevera que não haverá obediência política e, portanto, haverá “guerra de todos contra todos”, se não houver “um poder comum que mantenha todos em temor respeitoso” (HOBBES, 2008, p. 109).
Punição, a espada do Leviatã
A punição é a espada do Leviatã, que além de simbolizar o poder material, traduz a imposição deste pela força. Contudo, pela força legítima, uma vez que cabe ao Estado o monopólio desta. O soberano não se impõe pelo pavor; ele não é um tirano inclemente – o que pode transparecer ao se falar de punição – e aqui, inclusive, pode estar, também, um dos motivos das más interpretações do pensamento político de Hobbes. Ou seja, a não compreensão da função da punição no controle político e na manutenção da obediência política.
A punição não é, em Hobbes (2008), instrumento de dominação e subjugação. Não é uma força ilegítima que visa se impor coativamente com caráter exclusivamente utilitarista e desconectada de sua legitimidade política. A punição é meio de dar efetividade às leis civis, ao contrato social, ao poder político e ao Estado de Direito, visando manter a liberdade civil e não suprimi-la, já que, no Estado, a punição só se aplica a partir da existência da lei e de acordo com ela. Por isso, não há arbitrariedade no pensamento político de Hobbes; o que existe é uma liberdade pactuada e só aqueles que deixarem de cumprir sua parte no acordo de instituição do Estado deverão ser punidos, pois essa punição é necessária para a manutenção do Estado e da vida pacífica e segura.
Punição como função pedagógica
Certamente, percebe-se que a punição tem função pedagógica e política. Ademais, a sociedade carece que o direito de cada súdito seja reverenciado, bem como as determinações do Estado, para que se tenha paz, segurança e progresso. Portanto, o controle político pela punição se dá, apenas, no limite das leis e das determinações do soberano.
Conquanto seja pelo medo da punição secular ou pelo medo da punição divina, já que crime e pecado têm seus conceitos igualados por Hobbes. É sempre o medo da punição que persuade à obediência política, impedindo que o homem se arrependa, cesse ou mude de opinião, em relação ao que pactuou, e deixe a sociedade à mercê de sua inconstância.
Entretanto, a imposição da força, pela punição, inibe que se possa alterar a intenção pactuada na geração do contrato. Aqui está a finalidade política da punição e a legitimidade do direito de punir. Assim, a punição não é meramente uma questão jurídica, porque, se assim fosse, ao se mudar os parâmetros legais, nenhuma repercussão se teria na estrutura social ou do Estado.
Portanto, ela é efetivamente política e esta é sua finalidade precípua, qual seja, efetivar o controle político e manter a obediência, sobretudo. Como afirma Leivas (2005),
[…] o medo de ser castigado pela espada pública articula desse modo a conexão e a real efetivação entre as obrigações in foro interno e as obrigações in foro externo na medida em que o medo de sofrer dano conduz cada indivíduo a obrigar-se […] in concreto […] (LEIVAS, 2005, p.301).
Conclusão
Logo, o que impõe a obediência política e a mantém é a existência e a possibilidade de se infligir a punição. Das inferências geométricas hobbesianas, pode-se depreender esta conclusão: o seu “cálculo de consequências” não se esgota com a constituição do Estado Civil; este cálculo decorre da racionalidade do homem e, desse modo, vai acompanhá-lo por toda a existência. Neste “cálculo de consequências”, ele, situado dentro do Estado Civil, analisará que é melhor manter a obediência convencionada que não a manter, pois essa é a decisão do homem racional. Por isso, Hobbes afirma que a punição forçará os homens, “por medo do castigo, ao cumprimento dos seus pactos” (HOBBES, 2008, p. 143).
Certamente, a punição se revela como o instrumento mais visível do controle político do soberano. Pois ela se apresenta, além de ser a manifestação da força legítima e exclusiva do Estado, como uma ação política essencial para manter a união e a indissolubilidade do corpo político, impedindo o movimento desagregador de suas partes. Assim, ela é a força centrípeta agregadora dos movimentos dos corpos individuais dentro do corpo político.
Portanto, associada à lei da inércia, que mantém os corpos em movimento e a estabilidade do sistema, organizará e manterá o ordenamento e a união destes corpos individuais, os quais expressam seus interesses e intenções no interior e por meio do corpo político; por meio do Leviatã.
Referências:
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
LEIVAS, Cláudio Roberto Cogo. Representação e Vontade em Hobbes. 2005. 321f. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
Graduado em Segurança Pública, Pós-graduado em Direito Constitucional, Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal e aluno de graduação em Teologia.